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O pouso na prosa




 

“O tempo é a minha matéria”

Drummond

 

É a Professora Leila de Aguiar Costa quem chama atenção para o papel do tempo neste trabalho do polígrafo Tadeu Renato, que, dramaturgo, quadrinista, artista visual, compositor e poeta, faz aqui um pouso, uma pausa na prosa.

Propositalmente jogando com os limites entre conto e crônica, sabendo que estes limites muitas vezes são indiscerníveis, o autor nem por isto deixa de impregnar suas narrativas de poesia, o que torna seu discurso sobre o tempo ainda mais complexo e completo.

Escrito durante a pandemia, momento em que nossa noção temporal foi profundamente afetada, este livro, parece o tempo todo — com o perdão do trocadilho — pensar sobre a fragilização de qualquer tempo possível pela imprecisão inviolável de nossa memória.

Assim, como aponta Mayra Guanaes, também sobre o livro, temos histórias fugidias, como estivéssemos diante de uma tentativa de recuperar o irrecuperável, que agora é puro teatro, no palco invisível da literatura.

Os textos se dividem em “recordações”, à medida do impossível, da infância do narrador — sempre cheias de muitas fantasiações e descobertas, como nos excelentes Gnomos, Forte Apache, Palhaço, Os Olhos de Calu, entre outros —; divagações filosóficas a respeito da própria memória, como em Indefinido, Por Onde Anda, As curvas; as heranças emocionais familiares, em Noturno, Andarilhagens; além de outros temas mais inusuais.

Muitas vezes em textos bastante curtos, Tadeu consegue evocar com maestria todo um universo, onde o que falta nas narrativas se completa justamente por estas ausências, que fazem parte das histórias, como em PS, onde o autor, em uma única página, cria todo um microcosmos em torno de um pronto socorro, num tempo narrativo que parece durar apenas alguns segundos e, ao mesmo tempo, todo o nosso contemporâneo.

A contemporaneidade também parece ocupar substancialmente Tadeu. Não apenas pelo momento pandêmico da escritura do livro, mas porque, como diz o restante da epígrafe desta resenha, para o autor, assim como para Drummond, também interessa “o tempo presente”. Sem nunca deixar de assombrar-se, partindo do assombro como impulso criativo, Tadeu dispende também compaixão aos nossos dias, tão perdidos na inocência de toda nossa estupidez e brutalidade, distante pela estética, porém participativo pela contundência de sua análise. Assalto e Melancia podem figurar como exemplos disto.

Há também, para equilibrar os afetos propostos pelo livro, uma leveza humorística muito propícia. Folia é um texto excelente, que poderia muito bem integrar quaisquer antologias do gênero. Num final de festa típico, o detetive, o abacaxi, o pirata e a sereia discutem possibilidades revolucionárias.

Tadeu Renato é um estudioso, não apenas um autor ocupado demais consigo mesmo e envolto apenas na produção das próprias ideias. Sua participação ativa no circuito artístico e literário reverberam na contundência e perícia de sua escrita.

O livro, ainda, é acrescido de belíssima edição que conta com uma série fotográfica em preto e branco realizada pelo próprio autor.

Enfim, A pausa, o Pouso e Outras Prosas é um trabalho repleto de pequenas joias que se pode encontrar perdidas nesta caixa maravilhosa que é todo excelente livro de literatura.

 

carlos andré

nov/2024

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