“Sou ilha” é intitulado o primeiro poema do livro mais recente de Beth Brait Alvim, oferecendo uma excelente chave de leitura para seu trabalho literário de mais de cinquenta anos de muita poesia, de certa maneira, sintetizado aqui.
Não se engane o leitor, no entanto, que esta ilha pulsante, como segue dizendo o restante do poema, possui idilicamente apenas
“um pouco de
vento
olhos
areia
maresia”
Pois, no último verso, também de uma única palavra, fica a dica: esta ilha também possui “cataclismos”.
Assim Beth se anuncia, mesmo antes, ainda no título do livro, em (des)equilíbrio constante: “Poemas Selvagens”. Poética, mas selvagem, lírica, porém rebelde, bucólica, mas atenta aos desastres.
Não falo aqui, porém, de uma dubiedade, mas de complementariedade. Do jogo de chiaroscuro que atravessa a produção da autora todos estes anos, moldando sua obra num constante entrevero com si mesma: sempre o motor da boa poesia.
É Leminski quem fala, num conhecido vídeo no youtube, que é muito fácil ser poeta aos vinte e o difícil é continuar sendo poeta aos setenta. Ou algo assim.
Beth nos presenteia com a graça de sua maturidade e a coragem de continuar escrevendo versos num mundo saltado no abismo. Talvez porque, para a autora, fazer poesia não seja escolha, mas escola contínua, meio vital para seguir viva e reavivar os seus.
“e eu soluço de tanto regurgitar poetas e poemas
todas as madrugadas
bêbada de luz (...)”
O que move Beth é saber que “O amanhecer estilhaça o real” e, portanto, cabe a palavra reconstruí-lo com seus novos enigmas, novas formas que só lhe dão a poesia.
Tudo isto, é importante que se diga, sem ceder a modismos e sem deixar de buscar sempre por imagens novas dentro da própria pesquisa. Daí nos depararmos com versos tais como:
“tocar o dedo mínimo no farelo ouro”;
“sangro estrelas debaixo das unhas”;
“navego mergulhada em dragões jacarés”;
“durmo enroscada nas porcas enferrujadas
de um velho navio”
“planto a hora do assombro”
Etecetera.
Beth segue se assombrando, ofertando lições poéticas ao dividir seus assombros conosco. Quer que não percamos nossa capacidade de nos assombrar com a caretice generalizada (presente tantas vezes também no pequenino mundo da poesia contemporânea brasileira). Quer que, como nela, “uma fauna enfurecida sapateie nos corredores do nosso cérebro”.
Piviana, Willeriana (a quem dedica um poema do livro), mas muito mais que isto: lúcida da própria poética. Transando toda a tradição moderna.
Não chegue a estes Poemas Selvagens esperando menos.
Disponha-se a viagem por esta Ilha.
Carlos André
março, 2024
Poemas Selvagens, Editora Clóe.
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