Não sabemos porque não lemos nossos poetas. Não sabemos porque, não os lendo, deixamos de dar importância para esta leitura. Somente quando estramos em contato com sua poesia é que entendemos o quanto deixamos de lê-la, de experimentá-la. Mas temos preferido, notadamente, evitar esta experimentação.
Marcelo Torres é desses autores que nos põe em contato com esta revelação. Não sabemos porque não o lemos até que o contato com o seu texto nos proponha esta questão.
Publicando desde 2015, este já é o sétimo livro do autor, mais uma vez por uma editora independente.
“Infernos fluviais e por que nunca conversamos sobre Nick Cave?”, título inusitado, como também o são os títulos dos livros anteriores, traz Marcelo em pleno fôlego, destilando seu delirante arcabouço imagético por oitenta páginas divididas em cinco partes: INFERNOS FLUVIAIS; VIAJAR E ATREVER-SE; POR QUE NUNCA CONVERSAMOS SOBRE NICK CAVE?; PEQUENOS BUDAS DO NORDESTE; IDEIAS SEM CANTARES OU POESIA DA REVOLTA.
Já escrevi sobre a obra de Marcelo antes, assim como li outros resenhistas e paratextistas que também o fizeram. Os adjetivos mais utilizados para defini-la, que me lembre, são surrealismo, nonsense, experimental etc.
Talvez seja justamente tudo isto junto e ainda mais.
A profusão lexical do trabalho do poeta é uma mistura de múltiplas referências. E, pela erudição demonstrada por estas mesmas referências, nota-se que tudo é amalgamado com muita intencionalidade e consciência, ainda que seja uma poética que lide com uma imagética onírica, portanto inconsciente.
Não se trata de um texto pronto a se encaixar numa definição única, mas que mobiliza concomitantemente diferentes experiências poéticas.
Para ler Marcelo é necessário outras leituras. Seu trabalho parte de uma interação profunda com muitos outros poetas e, mais, com outros muitos artistas. Sua poesia transita também pela pintura, o cinema, o teatro, a dança e, como aponta o Nick Cave presente no título deste último livro, também pela música.
Para ler Marcelo é necessário entender os muitos caminhos já percorridos pela poesia. O autor reivindica para si as conquistas que aprendeu com as tradições a que se filia. Ele sabe que a poesia mais instigante e inventiva que nos rendeu a modernidade prescindiu há muito dos parâmetros que determinaram a escritura em tempos anteriores.
Linearidade, encadeamento lógico, sentido único, grandiloquência enunciativa, são algumas das categorias que o autor descarta e, descartando, se liga a seus antecessores ao mesmo tempo em que o lança para além de si mesmo, em busca de autenticidade e autoria.
Daí podermos encontrar versos tais, como:
“Rolo na cama te vendo submersa em um manancial.”;
“o pulo na cachoeira de teus cabelos de abajur,”;
“concluímos uma odisseia de sons, palavras mágicas,”;
“os pássaros sem olhos veem as noites pelas jaguatiricas,”;
O texto de Marcelo é exigente a medida em que não nos permite uma leitura que não seja total, visto ser total também a sua poesia, tensionada ao limite da própria significação formal e discursiva.
É preciso, sim, estar sedento para esta poesia, se lembrarmos que Drummond nos disse que “A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede”.
Recomendo volumosas doses.
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